Sábado, 29 de Abril de 2006

Filipe Diegues recorda com emoção o seu melhor amigo, Francisco Adam

  

As palavras são poucas, os verbos quase sempre empregues no presente. Filipe Diegues, de 21 anos, que viajava com Francisco Adam na fatídica noite, nunca se refere ao amigo como se ele já não existisse. Num fim de tarde na Praia do Atlântico, em Francelos, a poucos quilómetros de Vila Nova de Gaia, o estudante de Engenharia Electrotécnica de Sistemas Eléctricos de Energia quebra o silêncio e, com a voz embargada, recorda o dia em que conheceu o Dino de "Morangos com Açúcar".

Revela que a empatia entre ambos foi imediata e conta como os dois alimentavam diariamente a sua amizade. Filipe Diegues usa um colar cervical que denuncia uma fractura na sexta vértebra cervical, consequência do acidente de viação que ocorreu na madrugada de domingo de Páscoa, na Estrada Nacional 118, perto do Campo de Tiro de Alcochete. Mas o pior são as feridas psicológicas, que certamente levarão mais tempo a sarar. Para superar esta tragédia, o irmão da actriz Olga Diegues e primo do ex-futebolista Dani, conta com o incondicional apoio da família, dos amigos e de uma psicóloga.

Na noite do acidente, os dois amigos com Tó Serrão, relações públicas do Club In Campo

Enquanto fala com a CARAS, Filipe vagueia pelos seus pensamentos, fuma um cigarro e pousa os olhos nas inúmeras fotografias que tem guardadas no seu computador portátil. À medida que vai relembrando os últimos acontecimentos, o seu olhar esmorece. Aos poucos, parece ganhar consciência de que nunca mais estará com Francisco, ou Chico, como era tratado, e os silêncios que por vezes interrompem a conversa são sinónimo de uma dor irreparável.

– Como é que conheceu o Francisco?
– Em Julho do ano passado eu estava a trabalhar como relações públicas na discoteca Superclube, no Porto, e o Francisco foi lá com alguns amigos, entre os quais uma amiga comum, a Maria Sampaio, que nos apresentou. Houve logo uma grande empatia entre nós, como se nos conhecêssemos há muito tempo. No dia seguinte ele foi a minha casa e viemos almoçar aqui ao Bar Praia do Atlântico, apanhámos sol e demos uns mergulhos. Desde aí mantivemos o contacto. Quando ele vinha ao Porto em trabalho marcava sempre um quarto duplo no hotel, para que eu ficasse com ele. E passei a ir com ele às sessões de autógrafos, mesmo quando eram longe do Porto.

Na noite em que se conheceram, em Julho de 2005, Francisco e Filipe com Maria Sampaio, a amiga comum que os apresentou

 

– Passaram mesmo a cultivar a mesma maneira de vestir, a usar boné com a pala para o lado e uma argola na orelha esquerda…
– Sim. Aliás, perguntavam-lhe imensas vezes se éramos irmãos e o Chico respondia que eu era o seu irmão mais novo. Além da mesma maneira de vestir, temos a mesma forma de estar e de pensar.

– Era uma amizade alimentada diariamente?
– Sim, falávamos imensas vezes ao telefone e programávamos sempre os fins-de-semana de forma a estarmos juntos. Aliás, na quinta-feira antes do acidente tínhamos ido a uma festa na FIL e na sexta estivemos o dia todo em minha casa, no Parque das Nações, com mais um amigo. À noite fomos jantar ao Bairro Alto, a um restaurante onde o Chico já tinha ido com a namorada, a Carolina (Patrocínio), depois fomos ao bar de um amigo nosso, passámos na discoteca The Loft e depois fomos ao Lux.

– E no sábado, antes da noite fatídica?
– O Chico passou o dia com a Carolina, que tinha vindo propositadamente do Algarve para estar com ele, e por volta das 23 horas ligou-me para irmos para o Club In Campo, em Coruche, onde ele ia dar autógrafos. Fomos ter com o Sr. Osvaldo Serrão (o outro ocupante do carro, que ainda está internado) a um restaurante onde jantámos e depois seguimos para a discoteca. Estivemos lá entre a uma e as três da manhã e de seguida iríamos para Santa Cruz, onde passaríamos o domingo de Páscoa. Antes de sairmos da discoteca pedimos ao DJ para voltar a pôr a música Elektro, do grupo Outwork, que ouvimos o fim-de-semana todo e nos marcou. Dançámos e depois saímos.

– Lembra-se como é que aconteceu o acidente?
– Vínhamos à conversa e o Chico vinha a comentar como é que miúdos de 7, 8 anos estão às três da manhã numa discoteca por causa de um autógrafo, e a dizer que era preferível que houvesse matinés para crianças dessa idade. Eu, ao mesmo tempo, estava a mandar mensagens de telemóvel e, de repente, senti o carro travar, galgar o separador central de cimento e capotar. Estive sempre consciente. Quando o carro parou, não se via nada, estava tudo escuro, e eu tinha ido parar ao outro lado do banco...

– Então não levava cinto de segurança?
– Não. É lógico que se deve usar cinto, e pode não ser correcto da minha parte dizer isto, mas se tivesse cinto não sei se teria sobrevivido. O lado onde eu ia ficou completamente esmagado... Mas como estava a dizer, apareci do lado oposto, com as pernas entaladas entre o banco de trás e o da frente e a cabeça a bater no tejadilho. Parti o vidro do meu lado, meti as mãos fora do carro e abri a porta. Consegui soltar as pernas e, quando finalmente saí do carro, procurei o telemóvel para chamar o INEM, mas não o encontrei. Dirigi-me para a porta do pendura e consegui abri-la. O Sr. Osvaldo estava com o cinto e tinha a parte da cabeça e dos membros superiores deslocados para a zona central do carro. Tirei-lhe a pulsação e vi que ainda respirava. Depois fui para o lado do Chico e parti o vidro. Ele tinha a cara no airbag, que rebentou. Tentei ver se reagia ao medir a sua pulsação, mas no meio do pânico não quis perceber a verdade. Depois fui para o meio da estrada pedir ajuda. Quando parou um carro com um senhor que chamou a ambulância, fui novamente para junto do Chico e voltei a tirar-lhe o pulso. Foi nessa altura que percebi que o coração não batia. Fiz tudo para o salvar e não consegui. Pedi-lhe para ele não morrer, mas ele morreu à minha frente. Senti-me tão impotente...

– Foi aí que teve a noção de que o Francisco tinha morrido?
– Acho que não. Lembro-me ainda da ambulância e do carro dos bombeiros terem chegado. Foram estes que o deram logo quase como… bem, que disseram: “Acho que já não temos hipótese.” Aí entrei em estado choque. Só pedia que o salvassem… Depois dei entrada no Hospital de Vila Franca de Xira, fiz alguns exames, e em seguida fui transferido para o Hospital Santos Silva, em Gaia, a minha área de residência. Na viagem fui sempre perguntando como estava o Chico, mas ninguém me dizia nada. Só quando tive alta, por volta das nove da noite de domingo, é que um médico me informou do que tinha acontecido. Disse-me que tinha tido morte imediata após a colisão. Fiquei de novo em estado de choque e deram-me calmantes e sedativos para conseguir descansar.

– O acidente poderá ter sido consequência de excesso de álcool ou de excesso de velocidade?
– Excesso de álcool não foi de certeza. O Chico só bebeu água, eu vi o que ele bebeu. Da velocidade não tenho noção, porque vinha atrás e distraído com o telemóvel.

– As estatísticas dizem que há alguma inconsciência na condução dos jovens…
– Os jovens são mais imprudentes, mas acho que este foi um acidente inocente. Não sei se alguém com 30 anos de condução não teria o mesmo tipo de acidente. E não sei se alguém com carta há um dia não teria conseguido fazer a curva…

– Ainda precisa de sedativos para conseguir dormir?
– Tomo Valium, porque demoro muito tempo a adormecer. E mesmo assim é horrível, porque nesse espaço de tempo revejo as imagens do acidente e, principalmente, a última imagem do Chico… Ver um amigo morrer à minha frente, agarrar na mão dele... não é fácil.

– Com ele morreu também um bocadinho de si?
– Morreu um bocadinho de mim e de muita gente…

– Já consegue aceitar a ideia de que o Francisco morreu?
– Claro que ainda me custa aceitar. Quando ligo a televisão, evito a TVI. Acho que estou a ganhar consciência de que nunca mais irei estar com ele.

– Que recordações guarda dele?
– Tantas... Os olhos azuis e o sorriso dele, a imagem de nós os dois, lado a lado, de boné e argola. Lembro-me do dia em que o conheci e da noite em que olhei para ele e o coração já não batia. Mas, acima de tudo, quero recordar os momentos únicos e felizes que vivemos. Tenho a certeza de que ele também se divertiu, quando estávamos juntos era a grande festa. As fotos que tenho nas paredes do meu quarto vão ficar para sempre e vão ser olhadas com saudade.

– Sente-se revoltado?
– Sim, é muito injusto, aos 22 anos tem-se o futuro pela frente. Uma das coisas que mais quis foi ir ao funeral para lhe dar um último abraço. Quis deixar algumas palavras de carinho ao Chico e terminei com um “adoro-te miúdo”. Foi um adeus que me custou, mas o mais carinhoso que lhe pude dar.

– Acredita que neste momento ele está a olhar por si?
– Acho que sim, porque se fosse ao contrário eu olharia por ele. O nosso Chico vai estar sempre em todo o lado.

Fonte: Caras

14 comentários:
De Patricia a 8 de Junho de 2006
Chego ao fim da entrevistas com lágrimas a escorrerem-me pelo rosto...
Descansa em paz Francisco*
De Diana a 22 de Julho de 2009
Esta entrevista é bue interressante... Emocionei-me bues!!! O Filipe Diegues de certeza que foi um óptimo amigo para o nosso falecido Francisco Adam. O Francisco era único! Não há ninguem tão alegre como ele!


Adoro-te Francisco Adam. Estiveste, Estás e sempre estarás no meu pensamento.

Comentar post

.Televisão


. ver perfil

. seguir perfil

. 14 seguidores

.pesquisar

.Outubro 2006

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.Ultimos Posts

. João Catarré e Patrícia C...

. A vida difícil de José Fi...

. O Regresso (talvez)

. No novo desafio de Alexan...

. Maria João Bastos content...

. António Pedro Cerdeira co...

. Leonor Seixas e Albano Je...

. Ricardo Pereira vale ouro

. Merche Romero - Família d...

. Clara de Sousa - Dança at...

.arquivos

. Outubro 2006

. Julho 2006

. Maio 2006

. Abril 2006

blogs SAPO

.subscrever feeds